Pouquíssimos artistas conseguem ser tão amados e respeitados
quanto o recém falecido Roberto Gómez Bolaños. Sua morte foi lamentada ao redor
do mundo por pessoas das mais variadas idades, classes sociais e credos. A
maior de suas criações foi o seriado “El
Chavo del Ocho”, “Chaves”, no Brasil. É difícil encontrar quem não tenha se
rendido ao talento daquela trupe que sabia fazer rir sem apelações. Mas há quem
sinta um profundo ressentimento pelo sucesso do programa. Li alguns textos
críticos ao trabalho de Bolaños, a maioria de autores marxistas inconformados
pela série não seguir a linha esquerdista de enxergar o mundo. Eis algumas
características do programa que os esquerdistas mais fervorosos não engolem:
O criador era conservador
O criador da série nunca escondeu suas convicções políticas.
Apoiou candidatos tidos como conservadores no México, entre eles o
ex-presidente Vicente Fox, cuja eleição em 2000 tirou o poder das mãos do
Partido Revolucionário Institucional após 70 anos de governo. Católico, Bolanõs
se uniu a grupos ligados à Igreja contra a legalização do aborto no México em
2007.
O capitalista não era
malvado
Se há uma figura no seriado que pode ser associada ao
sistema capitalista é o senhor Barriga. Homem bem nutrido, era o dono da vila,
cobrava aluguel e tinha um padrão de vida muito superior ao de seus inquilinos.
Seguindo o antigo clichê marxista,
tal personagem deveria ser retratado como um tipo desalmado que oprime os mais
humildes tentando saciar sua cobiça. Mas na realidade o velho Barriga era um
homem de coração mole. Recebido com pancadas por Chaves quando chegava na vila,
nunca levantou a mão para o garoto. Nas datas festivas trazia presentes para
crianças e adultos. Numa ocasião em que todos da vila haviam viajado para o
litoral, Barriga sensibilizou-se ao ver Chaves sozinho e levou-o para conhecer
as praias de Acapulco. O ápice da simplicidade acontece quando o rechonchudo
hospeda os inquilinos em sua própria casa quando a vila passava por reformas.
Retratar um homem de negócios de forma tão humana, é algo que a turma canhota
jamais perdoará.
O menino pobre
preferiu o trabalho à vitimização
Todos conhecem aquela absurda teoria difundida por
sociólogos de esquerda de que as pessoas cometem crimes porque são pobres. Bem,
com Chaves não foi bem assim. Apesar da má sorte, o garoto sempre procurou
batalhar para sobreviver. Além de frequentar a escola, Chaves vendia latas e
garrafas vazias, jornais e refrescos. Um pequeno órfão que prefere empreender
ao invés de roubar ou esperar por benefícios estatais, é um personagem difícil
de ser digerido por um esquerdista.
Personagens não
seguem a cartilha feminista
Feministas tendem a tratar as mulheres como oprimidas por
uma sociedade machista e patriarcal. Para elas é inaceitável que uma mulher
prefira ser uma dona-de-casa que ama seu filho ao invés de uma vadia (como elas
mesmas se intitulam). Veja, por exemplo, o que a jornalista Sylvia Colombo
escreveu na Folha de São Paulo sobre a série: “(...) Os roteiros eram estúpidos, os textos, fraquíssimos, as
piadas, preconceituosas e machistas _basta ver como são retratadas as mulheres
no programa. Temos a menina histérica de vestido curto, a mulher mandona cheia
de bobs no cabelo, ou uma mais velha, que sem rodeios é chamada de “bruxa”. Sem
contar o modelo masculino (seu Madruga), um sujeito folgadão, desbocado e
autoritário, a homofobia implícita de seu discurso e suas atitudes. (...)”
Com base nisso, podemos analisar algumas personagens:
Dona Florinda – Dona-de-casa e viúva. Vive com o dinheiro da
pensão deixada pelo falecido marido. É mãe superprotetora que adora mimar seu
único filho, Quico. Apesar de não ser má pessoa, Florinda agride constantemente
seu vizinho Madruga. O homem franzino recebe as bofetadas servilmente, jamais
se atrevendo a levantar a mão para sua agressora. Na maioria das vezes ele
apanha injustamente.
Chiquinha – Apesar da pouca idade, é uma menina muito
esperta. Para obter algo que deseja, mente e manipula seu pai e amigos se for
preciso. Muitas vezes se aproveita da ingenuidade de Quico e Chaves para
pregar-lhes peças.
Dona Clotilde – Uma solteirona com idade avançada. Talvez
por não ser muito bonita, é constantemente chamada de bruxa pelas crianças da
vila (muitas feministas devem ter se identificado). É apaixonada por Madruga,
mas não é correspondida. Vive só, mas nunca desiste de conquistar o homem que
ama.
Bem, uma dona-de-casa e boa mãe, que não tem nada de
oprimida. Uma menina que manipula as pessoas. E uma mulher chamada de bruxa que
tenta conquistar um homem tido como machista. Está explicado por as feministas
vão à loucura com o programa.
Os personagens
reforçam a “moral burguesa”
Uma das características mais marcantes da série são os
valores e princípios morais que os personagens acreditam. Seu Madruga ensina
frases profundas às crianças. Entre as mais emblemáticas estão: “A vingança nunca é plena, mata a alma e a
envenena”, “As pessoas boas devem
amar seus inimigos” e “Dar acostuma
as pessoas à vadiagem”. No episódio em que comemoravam o aniversário de
Quico, dona Florinda ensina o filho a compartilhar suas coisas com os amigos.
Após a comemoração, Chaves aparece sentado ao lado de seu Madruga dividindo os
sanduíches que trouxe da festa. O velho não tendo muito o que compartilhar,
divide um copo de refresco com o menino. São pequenos gestos que reforçam o
senso de moralidade em quem assiste. Obviamente os relativistas não recebem
esses ensinamentos muito bem.
A exaltação da fé
cristã
Há momentos que deixam transparecer a religiosidade de
Bolaños. Por exemplo, fica claro em alguns episódios que Chaves é um menino católico.
Certa vez, depois de acertar mais uma golpe no senhor Barriga, o velho
pergunta: “Quando é que eu vou chegar
nessa vila sem que você me receba com pancadas?” Chaves responde: “No domingo quando eu tô na missa”. Em
outra ocasião Chaves é acusado injustamente de roubo. Mais tarde, quando as
coisas já estavam resolvidas, ele conta aos amigos que esteve numa igreja para
se confessar com um padre.
Em alguns episódios Chaves canta canções de cunho religioso. Eis alguns trechos:
Em alguns episódios Chaves canta canções de cunho religioso. Eis alguns trechos:
“Queria ter sido um pastor
Daqueles que na noite bela
Daqueles que na noite bela
Chegaram para ver Jesus
Seguindo a luz, de uma estrela.”
Seguindo a luz, de uma estrela.”
E também:
“Triste de verdade
É perder uma amizade
Mas sabe na tristeza
Chame Jesus
Porque ele não deixa
Sem resposta qualquer queixa
Não há quem seja como Jesus.”
É perder uma amizade
Mas sabe na tristeza
Chame Jesus
Porque ele não deixa
Sem resposta qualquer queixa
Não há quem seja como Jesus.”
Embora existam idiotas úteis que
acham possível ser cristão e esquerdista ao mesmo tempo, sabemos que partidos
de esquerda pretendem erradicar a religião, que eles chamam de “ópio do povo”.
Aqueles da linha gramsciana nutrem um ódio especial pela Igreja Católica, que consideram
o maior dos obstáculos à revolução. Logo, esse lado cristão de Chaves não
agrada àqueles que pretendem destruir o Cristianismo.
Não é politicamente-correto
Na época em que o seriado era
gravado, não havia toda essa frescura politicamente-correta de hoje. Coisas que
seriam imprensáveis em programas de hoje, nós vemos em Chaves. Por exemplo: o
professor Girafales fumava charuto quase o tempo todo, mesmo em sala de aula. O
mesmo professor flertava com a mãe de um de seus alunos. O que hoje se chama de
bullying, era rotina entre os
moradores da vila. Eles caçoavam do gordo dentuço, da menina baixinha, do
garoto bochechudo e do menino faminto e sujo. Todos ficavam bravos mas sempre
perdoavam as “ofensas”. Certa vez, seu Madruga imaginando estar sozinho, começa
a imitar dona Florinda para abrandar a raiva que sentia no momento. Chaves
observando a cena diz: “rebolando desse jeito
nem parece homem”. Impensável hoje em dia, não é mesmo?
Como o politicamente-correto nasceu com os ideólogos esquerdistas da Escola de Frankfurt. Não seguir essa cartilha é mais uma característica da série que não agrada os “canhotos”.
Como o politicamente-correto nasceu com os ideólogos esquerdistas da Escola de Frankfurt. Não seguir essa cartilha é mais uma característica da série que não agrada os “canhotos”.
Esses foram alguns pontos do
trabalho de Bolaños que causam repugnância nas esquerdas. É claro que os menos
ortodoxos ignoram tudo isso em nome do bom humor. O que é uma atitude muito
sensata, afinal, estamos apenas tratando da obra de um grande artista. Algo que
todos podem usufruir independentemente da ideologia.
Ainda há muito conteúdo que poderia
ser acrescentado a este texto, mas já me prolonguei demais. Encerro agradecendo
a Roberto Bolaños pelas risadas que me proporcionou. Tenho certeza que muitas gerações
ainda hão de rir e se emocionar com o “moleque do oito”. Parafraseando nosso
querido chavinho: Bolaños morreu mas não perdeu a vida.
Por: Alex S. Arruda
Por: Alex S. Arruda